Os exemplos aqui descritos têm o intuito de examinar as negociações ocorridas à luz dos conceitos de negociação ressaltados no livro "Negociação e Solução de Conflitos". Os casos analisados foram retirados de artigos e trabalhos estudados durante o processo de elaboração do livro. As percepções e análises foram baseadas apenas nas informações que foram veiculadas pela imprensa.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Negociação de Dissídio Coletivo

Exemplo 2
Este exemplo foi baseado em negociações efetuadas entre os Sindicatos Patronal e dos Trabalhadores da Indústria de Alimentos de São Paulo, realizadas regularmente uma vez por ano, no mês de maio, período de dissídio coletivo de toda a categoria.
O objetivo dessas negociações é produzir um acordo sensato, eficiente e que não prejudique o sensível relacionamento existente entre as duas partes. É interesse de ambos os sindicatos que o acordo dure pelo menos até o próximo dissídio, daí a complexidade e importância dessas negociações, sendo também o motivo pelo qual nenhuma das partes envolvidas utilizou táticas antiéticas, imediatistas ou ilegais.
As reuniões entre os próprios sindicatos independentes iniciaram-se em abril, quando a pauta de reivindicação da categoria é elaborada e enviada ao sindicato patronal.
As primeiras reivindicações do ano em questão (1993) diziam respeito ao piso salarial de Cr$ 15 milhões, aumento real de 30% e redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais.
Os representantes do sindicato patronal estudaram maneiras de defender suas posições e, baseados em reuniões precedentes à negociação, conscientizaram-se das concessões que podiam ser feitas.
Sabe-se que o clima desse tipo de negociação não é dos mais agradáveis. Assim, tentou-se criar um clima favorável, pelo menos aparentemente, com distribuição de balas e chocolates para os trabalhadores e por meio de conversas informais, que ocorreram pouco antes do início da negociação. Além do mais, a negociação foi realizada em lugar do neutro, no caso, o prédio da Ciesp (Centro das lndústrias do Estado de São Paulo), não direcionando os rumos da negociação para nenhum dos lados e impedindo influência do meio externo.
Quem iniciou a negociação foi o sindicato patronal, enfatizando a crise econômica, o alto nível de desemprego e a queda generalizada no faturamento das empresas do setor. Adotando uma barganha posicional áspera, o representante dos patrões observou que, se o sindicato dos trabalhadores não estivesse bem consciente disso, não haveria negociação. Para evitar uma posição desvantajosa no conflito, o sindicato dos trabalhadores adotou a mesma postura áspera.
Como o clima estava tenso, o sindicato patronal em vez de atacar o outro lado, preferiu examinar o que estava por trás do posicionamento, ou seja, conhecer as verdadeiras necessidades do oponente para saber até onde ir. Durante toda a conversação, o representante do sindicato patronal procurou fazer com que os trabalhadores participassem da negociação, pedindo criticas e novas opções, fazendo perguntas em vez de afirmações, utilizando o “... por favor, corrija-me se estiver errado”. Essa estratégia é conhecida por “Jiu-Jitsu”, arte marcial oriental, que usa a habilidade para se esquivar de problemas e direcionar a força do outro no sentido que lhe interessa, assim como na negociação.
Nenhum dos sindicatos, ao longo das seis horas de negociação, adotou um único estilo posicional. Ao mesmo tempo em que ambos faziam concessões, também faziam exigências; enquanto eram afáveis com as pessoas, eram ásperos com o problema.
No início da negociação, as partes envolvidas haviam estabelecido limites bem definidos e muito acima da expectativa real (bottom line), o que pode ser verificado quando se compara o piso reivindicado, de Cr$ 15 milhões, com a vigente, de Cr$ 6 milhões, determinando urna zona de acordo na qual se poderia negociar.
A correção salarial, o aumento real e a piso salarial foram os primeiros temas a serem abordados, pois se tratava do assunto mais polêmico.
A primeira concessão foi feita pelo sindicato patronal, que aumentou sua proposta de piso salarial de Cr$ 6 milhões para Cr$ 6,5 milhões. A irritação e o desapontamento do sindicato trabalhista foram ouvidos e registrados, talvez compreendidos, pelo sindicato patronal, que não interrornpeu o desabafo dos dirigentes do sindicato dos empregados e nem se alterou. Depois de feita a proposta, a sindicato dos trabalhadores pediu tempo para que pudessem reunir-se e discuti-la.
O sindicato patronal também se reuniu em outra sala e, ao retornar, fez nova proposta, aumentando sua oferta de piso salarial.
Os pontos mais polêmicos da negociação foram discutidos no inicio das conversas, sendo que as questões mais simples, como adicional de horas extras, auxílio funeral, licença-paternidade e tolerância para atrasos, entre outros, foram negociados sem impasses, com concessões feitas por ambas as partes.
Uma das principais questões envolvidas nesse tipo de negociação é o clima tenso. Negociar em ambiente cheio de raiva, incompreensão, ressentimento é difícil e desgastante. Para amenizar, a tática utilizada foi buscar um ambiente informal antes da negociação, uma conversa para distrair e até para se conhecer melhor os participantes do processo. O modo eficaz utilizado para esvaziar e lidar com a raiva, frustração e outras emoções negativas que possam vir a surgir é deixar os negociadores desabafarem, ouvindo-os.
Separar as pessoas dos problemas também foi imprescindível para negociar; da mesma forma, o estabelecimento do bottom line permite certa proteção contra propostas desfavoráveis, ou seja, determina o máximo desejável possível para se conseguir o máximo desejável realizável. Contudo, a adoção desse sistema pode, algumas vezes, abalar a credibilidade de uma das partes, ou seja, o sindicato, assumindo um bottom line muito alto e diminuindo várias vezes durante a negociação, pode permitir que o sindicato patronal duvide da credibilidade das intenções do sindicato dos empregados.
Nesse caso, as negociações iniciaram-se pelo tópico mais complicado, qual seja, o piso salarial, deixando os mais simples para a final. Isto, de certa forma, possibilita que todas as energias despendidas durante a negociação sejam direcionadas para o ponto de maior atrito. No entanto, pode-se usar a tática, discutindo a ponto mais polêmico ao final. Não se trata de gastar todos os argumentos em negociação de detalhes superficiais no inicio da conversação, e sim de não se querer perder todos os benefícios conseguidos até o momento da negociação mais complexa, ou seja, as pessoas estarão mais propensas a aceitar o acordo, para não perder os benefícios já obtidos e não ter que gastar mais tempo em outra negociação com outro oponente.
O poder de precedência também foi utilizado pelo sindicato patronal, para justificar o fato de o acordo oferecido ter sido considerado o melhor, entre os realizados por esta categoria. Há um precedente de acordos feitos anteriormente que permite esta comparação.
Quanto ao conflito, ele pode ser percebido quando as partes assumem posições rígidas para negociarem as diferenças e discordâncias. Então, para administrá-lo, as partes utilizam da solução do compromisso, a qual procura resultar em soluções que satisfaçam aos reais interesses envolvidos. Nessa solução, cada parte cede em algum ponto para resolver o conflito e atingir seus interesses. O enfoque dado para que isto fosse possível foi a da barganha, já que muitas demandas e interesses estavam em questão, e cada parte cede um pouco.
As táticas utilizadas pelos negociadores durante a negociação sugerem o estilo confrontador para lidar com o conflito, a qual combina controle e confiança para se chegar a um acordo sólido, com a colaboração das partes envolvidas. Uma das táticas percebidas nesse estilo é a definição de limites reconhecíveis para as partes, estratégia essa definida no momento em que sindicato patronal e dos trabalhadores definem o piso salarial que melhor atende a suas necessidades.
Desse modo, é possível constatar que os empresários não têm conhecimento teórico dos modelos de negociação, pelo menos sob os aspectos analisados nesse caso. Algumas vezes, o acordo falha, mesmo sendo vantajoso, devido à falta de uso das técnicas de análise sistemática. A necessidade não é de criação de novas técnicas analíticas especialmente formuladas para a processo de negociação, mas do uso criativo de um pensamento analítico que explore simples técnicas já existentes.