Os exemplos aqui descritos têm o intuito de examinar as negociações ocorridas à luz dos conceitos de negociação ressaltados no livro "Negociação e Solução de Conflitos". Os casos analisados foram retirados de artigos e trabalhos estudados durante o processo de elaboração do livro. As percepções e análises foram baseadas apenas nas informações que foram veiculadas pela imprensa.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Seqüestro no Paraná

Exemplo 9
Esse exemplo ressalta os tópicos principais de uma negociação de seqüestro em Marechal Cândido Rondon (703 km a oeste de Curitiba), no Paraná.
No dia 24 de abril de 1995, às 4 horas, três homens armados invadiram a casa de Roni Martin, um dos proprietários da empresa Reuter Câmbio e Turismo, para roubar o cofre da empresa. Eles levaram Roni Martin, sua esposa Leina e o bebê Natália até a residência do tesoureiro da empresa, Elton Kraemer. Às 7 horas, os assaltantes retornaram a casa e mantiveram como reféns a família Martin e a família Kraemer (Elton, a esposa e as filhos gêmeos), além das empregadas das famílias.
Às 8 horas, Martin e Elton são liberados para buscar US$ 500.000 para os assaltantes. Depois, às 12:30 horas, a polícia recebe telefonema anônimo, comunicando o assalto, e cerca a casa, quando tem inicio a negociação assaltantes-polícia civil, na qual o coordenador do grupo anti-sequestro do Paraná, Ricardo Noronha, assume o comando das negociações. Eram 17 horas. Os assaltantes estavam exigindo US$ 100.000, um carro forte e armas para a fuga com os reféns.
No dia seguinte, a polícia corta a ligação telefônica da casa, mantendo apenas uma linha de contato; inicia a tática da inquietação, tendo sido utilizados buzinas, sirenes e holofotes, principalmente durante a noite, ameaçando invadir a casa, com o intuito de pressionar emocionalmente os assaltantes e deixá-los cansados fisicamente. No dia 26, o médico da família entra na casa, colhendo informações sobre o local e condições que facilitariam a operação de resgate.
A polícia continuou as negociações, com a utilização da tática de inquietação, porém nada se resolvia. Até que os assaltantes ameaçaram matar o bebê no sábado seguinte. Então, ás 6:45 horas de sábado, a polícia iniciava a operação de resgate, com a intenção de matar os assaltantes, já prevendo que a morte de algum dos reféns seria inevitável. Vinte e um policiais invadiram a casa, em 35 segundos, matando os três assaltantes, ferindo apenas a refém Leina Reuter, que protegia o bebê, com quatro tiros, dos quais três disparados pelos policiais.
Conforme análise da negociação envolvida no processo de assalto, pode-se constatar a não-utilização do poder da legitimidade, pois regras da convivência social comum foram descumpridas pelos assaltantes, tais como, direito a privacidade, propriedade e a vida. Apesar disso, os policiais também não respeitaram os direitos dos próprios assaltantes, que foram mortos, como única alternativa possível. Não se justifica, entretanto, o assalto e a ameaça as famílias envolvidas. A questão do poder de legitimidade também poderia ser questionada, quando da exigência dos assaltantes para fugirem e o comprometimento dos policiais facilitando essa fuga, sem medir as reações adversas a esta.
A polícia, ao se mobilizar, procurou alterar o desequilíbrio de poder existente a favor dos assaltantes, no caso, o poder de atitude, podendo definir o destino dos reféns que mantinham (invadir a casa e feri-los ou matá-los, ou então, deixá-los fugir com os reféns). Assim, a polícia utilizou ações arriscadas, técnicas de pressão psicológica, simulação de invasão, assumindo o poder de risco de perder a vida de algum refém, em virtude da necessidade de evitar manipulações por parte dos assaltantes. Para dividir este risco e um possível insucesso, o Secretário de Seguranca Pública do Paraná procurou criar um clima, na opinião pública, favorável a invasão.
O poder de especialista favorecia os policiais, que detinham o conhecimento e informações técnicas para embasar ações em situações como esta, convocando um grupo especializado — grupo policial anti-sequestro do Paraná. Além disto, o poder de posição dava aos policiais maior autoridade para tentar solucionar o caso.
Os policiais tentaram conhecer as verdadeiras necessidades dos assaltantes, através de microfones colocados dentro da casa e da entrada do médico da família no local onde estavam os reféns, somando mais poder à força policial.
A tática de inquietação serviu como poder de persistência aos policiais, que tentavam manter os assaltantes em constante pressão emocional, vencendo-os talvez pelo cansaço.
Os assaltantes superestimaram seu poder de moralidade, utilizando-se de falta de generosidade para obter concessões. Isto pode ser observado quando reféns e os próprios assaltantes divulgavam maus-tratos e torturas cometidos contra os reféns e, principalmente, com a ameaça de matar o bebê. Estas informações foram importantes para a polícia mudar sua posição quanto aos assaltantes, visto que anteriormente só admitia a rendição dos mesmos, sem qualquer hipótese de negociação.
Há, nesta questão, o custo de oportunidade, visto em dois momentos:
  • a) o custo de não se empreender uma negociação seria muito alto, já que poderia causar a morte dos reféns;
  • b) embora a polícia tivesse previsto a morte de três dos sete reféns na hora de invadir a casa, preferiram esta possibilidade a perder todos as aprisionados. Os assaltantes eram apenas três.
O tempo nessa negociação era questão crucial, pois os reféns podiam ser maltratados, feridos, a qualquer momento. A duração do assalto foi de 123 horas, podendo parecer pouco, em se tratando de negociações normais e lícitas. Todavia, o fato era extraordinário, embora fizesse parte do cotidiano da polícia.
A questão do tempo, sendo crítica, poderia influenciar negativamente o acordo. Era preciso fazê-lo de qualquer maneira, o mais rápido possível, para que os reféns não fossem prejudicados fisicamente. Então, poder-se-ia precipitar uma solução não adequada e perder alguns dos reféns num tiroteio entre policiais e seqüestradores, por exemplo.
Assim, o tempo foi fator agravante da situação, contribuindo para deixar seqüelas emocionais e físicas nos envolvidos. A cada dia que passava, mais cobrança da sociedade sobre uma atitude policial, mais riscos corriam os reféns, mais irritados ficavam os assaltantes. Daí o fato de ser essencial reduzir ao máximo o tempo de negociação e o firmamento de um acordo.
Apesar disso, não havia um tempo limite definido para o acordo, até que os seqüestradores ameaçaram matar o bebê, determinando a decisão rápida de invasão. Essa decisão, tão importante e de alto risco, foi tomada ao final do prazo limite. Isso, de certa forma, poderia prejudicar o acordo, além de não ser a melhor alternativa para tanto.
O comportamento ético pode ser notado através do componente legal da situação, no qual a determinação juridica de certas atitudes estava preestabelecida, por exemplo, o chefe do comando da operação ter poder legal para prender qualquer sujeito que esteja cometendo um delito, ou invadir uma residência, se lá estiver sendo cometido um crime.
Outro componente da ética é a livre escolha, em que, no caso, o chefe do comando pode decidir, dentro das circunstâncias, qual o melhor modo de agir. Esse componente também deu sustentação à ética popular, ou seja, o comandante buscou a aprovação da sociedade para invadir a residência, independente de causar a morte de alguns reféns. Desejava-se, dessa forma, considerar questões impostas pela coletividade, e não gerar uma revolução ética, com os possíveis resultados negativos advindos da invasão. É certo que a tomada de decisão conforme uma ética teve um certo enfoque utilitário, produzindo o maior bem para o maior número possível de pessoas.
O estilo de negociação presente, segundo classificação de Jung, é o restritivo, visto que o acordo só se realiza a força e não há cooperação por parte dos envolvidos, agindo cada um em seu próprio interesse. Segundo Gottschalk (Apud Rojot, 1991), o estilo mais característico é o duro, usado pelos policiais. As principais características que a confirmam, no caso, são: procurar manter o controle da situação, assumir o risco de ferir os reféns, bem como a presença dinâmica, no que diz respeito a forçar os assaltantes a se renderem. Também é possível verificar elementos do estilo contestador nos policiais, visto que não era possível incorporar outras tentativas de resolução do conflito.
O conflito entre policiais e assaltantes pode ser caracterizado como terminal. Assim, os envolvidos atacam e contra-atacam para defender sua posição, procurando desenvolver um estereótipo negativo do oponente. Além do mais, o enfoque dado para solucionar o impasse (negociação dos reféns) foi o da dominação e da conquista, utilizado pelos policiais de forma que estes pudessem resolver de forma rápida e decisiva o problema, utilizando dos poderes que lhes cabiam.
E, de fato, em virtude do exposto, a última e única alternativa, invasão da residência, foi posta em prática. Foram mortos todos os seqüestradores, e ferida a babá do recém-nascido. Infelizmente, tudo era previsto, sendo realmente necessário que o fato terminasse dessa forma, ganha-perde. Aliás, as conseqüências poderiam ter sido ainda mais graves, tendo sido inclusive previsto pela polícia que os mortos e feridos poderiam ter sido em número maior.