Os exemplos aqui descritos têm o intuito de examinar as negociações ocorridas à luz dos conceitos de negociação ressaltados no livro "Negociação e Solução de Conflitos". Os casos analisados foram retirados de artigos e trabalhos estudados durante o processo de elaboração do livro. As percepções e análises foram baseadas apenas nas informações que foram veiculadas pela imprensa.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

O Estilo de Negociação de Hitler e de Gandhi em Casos Célebres

Exemplo 10
Este exemplo procurou levantar alguns estilos de personalidades importantes de épocas históricas, Hitler e Gandhi, segundo os respectivos contextos.
A Primeira Guerra Mundial propiciou novos conflitos, pois o Tratado de Versalhes disseminou forte sentimento nacionalista, dando origem ao nazi-fascismo. A política de paz, adotada por muitos líderes no período entre guerras, e que se caracterizou por concessões para evitar um conflito, não conseguiu garantir a paz internacional. Consolidaram-se, assim, os regimes totalitários, visando conquistas territoriais, o que desencadeou a Segunda Guerra Mundial.
Com os nazi-fascistas governando a Alemanha e a Itália, a política internacional foi aos poucos tornando-se conflituosa, pois as pequenas nações sentiram-se lesadas em seus direitos territoriais e políticos, ficando a mercê dos Estados mais poderosos.
O Japão, descontente com sua posição internacional, invadiu a Manchúria em 1931; a Itália invadiu a Etiópia; a Alemanha, desobedecendo às decisões do Tratado de Versalhes, em 1935, reincorporou o Sarre, restabelecendo o servico militar obrigatório e, em 1936, ocupou militarmente a Renânia — zona com a fronteira francesa, desmilitarizada pelo Tratado de Versalhes. Para evitar mais confrontos, outros países assistiram ao fato resignadamente.
A guerra civil espanhola deu a Hitler e Mussolini, associados ao militar golpista espanhol Francisco Franco, condições de testar seus novos armamentos e acabar com a Nova República Espanhola, consolidando a aliança Hitler-Mussolini, denominado eixo Berlim-Roma. Pouco depois, o Japão se uniu ao eixo, encontrando na passividade geral ânimo para novas investidas territoriais, assinando o Pacto Antikomintern para combater o comunismo internacional.
A primeira manifestação significativa da expansão nazista aconteceu na Áustria, anexando-a ao Terceiro Reich; depois foi a vez da Tchecoslováquia, que por melo de um acordo entre Inglaterra, França, Alemanha e Itália, entregou-a aos nazistas.
Hitler desejava conquistar o corredor polonês, área que dava a Polônia saída para o mar. Então, fixou o Pacto Germano-soviético de não-agressão e neutralidade, por dez anos, com a União Soviética. Em 1939, Hitler invadiu a Polônia que, apoiada pela Inglaterra e França, reagiu, dando início à Segunda Guerra Mundial.
A Alemanha de Hitler rompeu o tratado com a União Soviética, quando decidiu buscar minérios, petróleo e cereais neste país. O sucesso nos primeiros meses levou os nazistas até os subúrbios de Moscou, mas, no final, os alemães experimentavam duras derrotas, devido principalmente ao vasto território, a resistência da população e a chegada do inverno rigoroso. O Japão, ao atacar a base americana no Pacífico, é guerreado pelos EUA, pondo fim a expansão totalitária do eixo europeu.
Após a Segunda Guerra Mundial, o mundo organizou-se sobre novas bases, destituindo a Europa como eixo do poder mundial, e elegendo Washington e Moscou como os novos centros de poder, reativando o confronto entre socialistas e capitalistas. Fixou-se, assim, a bipolarização do mundo, marcada pela tensão internacional, alimentada pelo conflito ideológico e político dos EUA e URSS. Diante desses conflitos, as classificações dos estilos podem ser feitas conforme os autores estudados. No modelo de Jung, Hitler possuía estilo restritivo, no qual o negociador tem impulsos de controle e desconsideração para se forçar um acordo, já que não há possibilidade de cooperação entre os envolvidos e cada um se preocupa com seus próprios interesses. Então, o único resultado aceitável para esse negociador é ganhar.
Segundo a classificação feita por Cohen (1980:120), Hitler tinha estilo ganha-perde. As características extremamente nacionalistas que determinavam seu governo (anti-democracia, anti-operariado, anti-socialismo) priorizavam interesses da minoria e centrada em Hitler. A Guerra, por só, já buscava o ganha-perde, pois o líder alemão acreditava que a luta era tudo, podendo transformar qualquer coisa desejada... Assim, sua política era centrada em suas vontades, em sua posição.
Na teoria de Fisher e Ury (1985:47), Hitler teve como estilo negociador o de reconhecer as necessidades e interesses do povo alemão da época, que a fez o maior líder.
Também podiam ser identificadas, no líder alemão, algumas características do estilo duro de Gottschalk (Apud Rojot, 1991), tais como:
  • estabelecimento de posição firme e clara, visto que a doutrina nazista tinha princípios básicos bem definidos (racismo, totalitarismo, anti-imperialismo, nacionalismo);
  • conhecia muito bem seus objetivos, que eram vingar-se da humilhação do Tratado de Versalhes; era determinado a atingir sempre o melhor, tentando reunir todo a povo germânico da Europa numa grande nação;
  • era líder nato, procurando manter a controle, governando de forma centralizada; identificava suas oportunidades, aproveitando, por exemplo, as humilhações do Tratado de Versalhes e a crise econômica para promover a expansão do nazismo;
  • não se importava com o pensamento dos outros sobre o nazismo;
  • era dominador e agressivo, prova disso foi à eliminação dos partidos políticos, supressão das organizações sindicais, ampliação do poder central.
Em se tratando de Mahatma Gandhi, foi figura importante no processo de independência da Índia, propondo consegui-la por melo da resistência pacífica, desobediência civil e ação não violenta contra os colonizadores ingleses. Assim, promoveu greves, passeatas, boicotes e envolveu a maioria da população hindu e muçulmana, obrigando a Inglaterra a abandonar gradualmente a Índia, evitando confronto racial com a metrópole.
A Índia tornou-se domínio britânico em 1763, após o Tratado de Paris, que excluiu a França da colonização da Península lndostânica. Em 1858, o território deixava de ser administrado pela companhia das Índias Orientais Britânicas, passando a ser diretamente controlado pela coroa. A luta pela independência começa em 1885, com a criação do Congresso Nacional Indiano (ou Partido do Congresso), partido nacionalista da população hindu. Em 1906, era criada a Liga Muçulmana, organização nacionalista da população muçulmana.
Em 1947, foi confirmada a retirada inglesa, acirrando os conflitos étnicos e religiosos entre hindus e muçulmanos, permitindo a divisão do país, e causando milhares de mortes. A partir daí, surgiram três novos paises: a União da Índia, essencialmente hinduísta, e governada pelo líder do Partido do Congresso, Jawaharal; o Paquistão, predomínio muçulmano e governado por All Jinnah e o Sri Lanka, antiga ilha do Ceilão com predomínio budista.
As desigualdades sociais, as rivalidades étnico-religiosas e a instabilidade política marcavam continuamente toda a região. Em 1948, em meio aos conflitos religiosos e políticos, Gandhi foi assassinado. Em 1984, a sucessora de Nehu, Indira Gandhi, teve o mesmo fim. Em 1991, durante campanha eleitoral, seu filho, Rajiv Gandhi, também foi assassinado. As tentativas governamentais de evitar a generalização dos conflitos não têm conseguido eliminar a constante ameaça de fragmentação, o aumento da miséria e as crescentes ações extremistas de diversos grupos políticos.
Assim, conforme o modelo de Jung, Gandhi apresenta aspectos do estilo confrontador, pois a questão envolvida busca necessariamente um resultado e envolve altos interesses e um conflito litigioso. Utiliza táticas como a virtude e a reunião, apesar de apresentar características de outros estilos, quando opta pelo baixo risco, ou seja, o uso da não-violência.
Na Índia, tem-se a figura de Gandhi como libertador dos domínios ingleses. Todavia, segundo a visão proposta por Cohen (1980:120), houve nesse estilo um pouco de ganha-perde, na negociação Índia-Inglaterra, visto que Gandhi se utilizava de táticas emocionais (desobediência civil, não-violência, resistência pacífica), colocando-se numa posição extremada de passividade, para sensibilizar o povo indiano, na tentativa de liderá-los contra a Inglaterra. Mostrava-se a favor do povo e por isso tinha autoridade limitada. Se não eram satisfeitas suas vontades, fazia greve de fome, boicotes, passeatas contra o regime inglês. Contudo, Gandhi consegue instituir o ganha-ganha entre o povo, quando uniu muçulmanos e hindus em função de um objetivo comum: libertar a Índia da Inglaterra, mesmo que, depois, esses povos começassem a brigar. Vale lembrar que a Inglaterra cedeu à Índia aos poucos, para não perder a influência regional.
É possível perceber também os esforços do líder indiano em não se concentrar em garantir ganhos mútuos, mas corrigir injustiças, mudar uma situação desfavorável ao seu país, ou melhor, tentar alterar uma relação ganha-perde, considerando a possibilidade de um relacionamento futuro entre esses países. Em momento algum Gandhi desviou-se de seus objetivos, não atacou os ingleses, concentrando-se nos problemas. Porém, foi incapaz de identificar os interesses ingleses, o que talvez tivesse lhe poupado muitos esforços, principalmente depois da Segunda Guerra, quando a Inglaterra, afetada diretamente pela mesma, não podia mais arcar com os custos de manter uma colônia como a Índia, sendo este um dos principais motivos que levou o governo inglês a reconhecer a independência da Índia.
Na classificação de Gottschalk (Apud Rojot, 1991), Gandhi possui alguns traços importantes do estilo caloroso. Era amigo, não se preocupava apenas com as pessoas de seu país, se dispôs a ajudar nativos e miseráveis, moral e materialmente, organizou colônias agrícolas e hospitais e continuou a exortar seus compatriotas, ensinando-lhes seus princípios de fraternidade. Tinha também características do estilo duro, visto que era homem que não se intimidava diante do conflito.
Nesse contexto, nota-se a importância de se identificar os estilos dos negociadores envolvidos, a fim de que se possam definir ações correspondentes a eles, sendo igualmente importante conhecer o próprio estilo para desenvolver habilidades que permitam melhorar alternativas possíveis na negociação. Como exemplo, pode-se citar a derrota de Hitler na Segunda Guerra Mundial, que rompeu o tratado de não-agressão, pelo interesse em petróleo, cereais e minérios existentes na URSS. Talvez, se se conhecessem os interesses russos, fosse possível negociar um acordo mais lucrativo para as partes. Hitler, porem, não permitiu o desenvolvimento de melhores alternativas para a situação.
Ainda é possível concluir que, quanto mais se conhecem os estilos de negociação, mais Os negociadores são flexíveis em seus estilos, assumindo posturas diversas em função da situação em que se encontram, para obter resultados desejáveis as partes, sem que seja necessário fazer concessões ou assumir posições para se chegar a um acordo sensato.