Os exemplos aqui descritos têm o intuito de examinar as negociações ocorridas à luz dos conceitos de negociação ressaltados no livro "Negociação e Solução de Conflitos". Os casos analisados foram retirados de artigos e trabalhos estudados durante o processo de elaboração do livro. As percepções e análises foram baseadas apenas nas informações que foram veiculadas pela imprensa.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Negociação entre Sem-teto e Governo

Exemplo 11
Embora o Brasil esteja tentando caminhar para um futuro mais próspero, há ainda problemas sérios que afligem o governo e a sociedade, causando impasses sobre questões polêmicas e delicadas. Prova disso são as freqüentes manifestações de pessoas sem terra, sem teto, sem condições dignas de sobrevivência. E foi numa dessas tentativas de se buscar um acordo, para solucionar problemas de moradia, que foi possível analisar um exemplo, detectando alguns fatores que poderiam indicar o porquê de um acordo não ter sido firmado.
Com as negociações realizadas entre sem-teto e governo estadual de São Paulo, pretendia-se anunciar a retomada do Plano de Atuação em Cortiços (PAC), sendo esta a principal exigência do sem-teto. Porém, sobre as propostas do PAC, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) não soube informar qual verba será destinada para o plano, que prometia criação de 2,5 mil unidades habitacionais. O projeto estava atrasado, segundo o governo, devido à crise financeira por que tem passado. Além disso, este alega não ter os números reais sobre os sem-teto. Sabe-se, ainda, que a Secretaria Estadual de Habitação tem uma verbal anual de R$ 600 milhões para moradias.
O líder da Unificação das Lutas de Cortiço (ULC), Luiz Gonzaga da Silva, argumentou que estando à diretoria do CDHU ao fim de mandato pouca coisa poderá ser efetivamente feita. De concreto, o governo anunciou a compra de um prédio já ocupado por sem-teto. Apesar disso, várias famílias foram desalojadas de um antigo casarão que haviam invadido no centro de São Paulo.
Essas pessoas tiveram como única opção o Centro de Triagem e Encaminhamento (Cetren) no Brás. Essa proposta havia sido rejeitada pelos invasores sob a justificativa de que o Cetren é um albergue e não um alojamento, abrigando moradores de rua, sem perspectivas, com problemas mentais e de alcoolismo, sendo, pois, impossível a convivência entre estes e as famílias constituídas. Assim, a decisão da ULC era de não aceitar esta proposta e, pelo contrário, invadir outros prédios, caso outras opções não fossem criadas.
Para amenizar um dos mais difíceis problemas de moradia em São Paulo, foi indicado o ex-prefeito de Itu por três mandatos, Lázaro Piunti, por ter experiência com o assentamento de 20 mil pessoas nessa região. Contudo, isso não foi suficiente para conter várias outras ocupações, como a da Escola Estadual Professora Francisca Teixeira de Camargo, zona leste de São Paulo.
A forma pela qual a Casa Civil se manifestou a respeito da posição dos sem-teto foi comunicando a intervenção da Polícia Militar para retirar as famílias ocupantes, sem discussões, nem que para isto tivessem que usar de violência fisica, como aconteceu na reintegração de posse na Fazenda da Juta, resultando em três mortes. O policial comandante era a mesmo.
O coordenador da ULC, contudo, continuava a dizer que as pessoas alojadas na escola não aceitariam ficar no Cetren, alegando não haver condições de moradia. A ULC indicou o prédio do Hospital 21 de Abril para servir de moradia, mas não houve acordo, pois esta possibilidade já havia sido estudada e descartada pelo governo, isso porque os sem-teto resistiram à desocupação de um prédio na Rua do Carmo.
Com isso, a Promotoria Pública e os líderes da ULC informaram que funcionários da Secretaria da Fazenda, proprietária do imóvel da Rua do Carmo, entregaram um novo termo de compromisso para as desalojados. Segundo o termo, o prazo de permanência na escola seria ampliado em cinco dias, se fosse preciso.
O acordo não foi realizado e as partes criam maior dificuldade para discutirem sobre suas posições. Aliás, o fato de se aterem às posições e não aos interesses conta negativamente para a realização de um acordo ganha-ganha. Além do mais, os sem-teto não tinham alternativas melhores de acordo, ou seja, não desenvolveram suas MAANA’s, não havendo uma zona de acordo sobre a qual fosse possível negociar, já que a única opção que tinham era alojarem-se no Cetren.
O poder da posição conferido ao governo, por se tratar de uma autoridade estatal que, de certa forma, tem condições de impor formas de comportamento, permitiu certo domínio na condução das negociações, não permitindo que a outra parte expressasse seus interesses.
A presença de um mediador para auxiliar a condução do processo negociativo seria um fato importante para busca do acordo ganha-ganha, mas não há maiores comentários sobre a atuação deste mediador na fonte onde foram analisadas estas informações. Vale ressaltar, contudo, que esse mediador tinha um forte poder de precedência com relação ao assentamento de várias famílias, o que, de certa forma, conferia-lhe habilidades para lidar com situações de pressão e ânimos acirrados.
O conflito existente nessa negociação pode ser considerado como sendo paradoxal, pois as informações estão um pouco obscuras, não dando efetividade à finalização de um acordo. Além do mais, as posições assumidas fazem com que haja despreocupação das partes em saber quais são as necessidades reais dos envolvidos.
Sob a classificação mais especifica de Sparks (1992:100), o conflito pode ser caracterizado como sendo terminal, minimizando o que há de comum entre as partes, não havendo reflexão sobre os aspectos importantes do conflito. Nesse sentido, detecta-se um aspecto negativo desse conflito, um aspecto de competição, em que as partes promovem um choque de forças, de competição. Isso é verificado no momento em que o governo não concorda em ceder o Hospital 21 de Abril para os sem-teto pelo simples motivo destes terem resistido à desocupação do prédio da Rua do Carmo. Ou, ainda, verifica-se a competição de forças quando a ULC comunica outras invasões se novas opções de acordo não fossem estabelecidas.
O estilo que influenciou, de certo modo, esses comportamentos foi o restritivo, analisando que as partes estavam agindo dentro de seus próprios interesses, visando à obtenção de um ganho, uma vitória. Pode-se ressaltar também algumas características do estilo duro, pois tanto o governo quanto os sem-teto estavam atuando de maneira agressiva, orientada para o poder, a fim de dominarem a situação.
Nessa negociação, pode-se ressaltar também a questão ética determinando alguns padrões de comportamento das partes, visto que as negociações envolvendo o governo e os sem teto esbarra em questões éticas, além de questões políticas e sociais.
Assim sendo, por se tratar de uma negociação delicada, envolvendo vários interesses e recursos escassos, principalmente financeiros, a ética deveria estar presente, implícita nas atitudes dos envolvidos. Contudo, em razão das posições firmadas, da impossibilidade de se criar soluções alternativas para um acordo, a ética foi esquecida; o governo não adotou enfoques que privilegiavam o interesse social ao tomar suas decisões de não liberar moradias já ocupadas por sem-teto. Enquanto isso, os sem-teto justificavam o fim desejado pela negociação (conseguir teto para os desabrigados) por intermédio dos meios utilizados para conseguir um acordo (ocupar outras moradias não liberadas pelo governo).
Desse modo, as partes não souberam lidar com o impasse, tirando proveito das diferenças existentes no processo negociativo para buscar um melhor acordo. O resultado final, então, foi a não-realização do acordo.