Os exemplos aqui descritos têm o intuito de examinar as negociações ocorridas à luz dos conceitos de negociação ressaltados no livro "Negociação e Solução de Conflitos". Os casos analisados foram retirados de artigos e trabalhos estudados durante o processo de elaboração do livro. As percepções e análises foram baseadas apenas nas informações que foram veiculadas pela imprensa.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Greve dos Petroleiros

Exemplo 7
A greve dos petroleiros, ocorrida no melo do primeiro semestre de 1995, foi fato que mobilizou todo o país. 0 caso em questão tratava inicialmente de um movimento generalizado, envolvendo setores do funcionalismo público, em uma manifestação de rechaço às medidas propostas pelo governo, de reformas constitucionais, onde as posturas neoliberais provenientes do então governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), objetivaram, entre outras coisas, a quebra do monopólio de alguns setores, como telecomunicações e petróleo. Este último deu origem a todo o conflito entre governo e petroleiros, analisado a seguir.
No início do semestre em questão, ocorreu uma série de movimentos grevistas, com o intuito de pressionar o governo a rever a posição assumida, em relação ao não-cumprimento de um acordo realizado com o governo anterior, liderado por Itamar Franco. Esse acordo preconizava benefícios e reposições de perdas salariais a categoria dos petroleiros, concessões estas consideradas inviáveis pelo governo FHC. As greves também reivindicavam urna postura antigovernamental.
A grande questão é a validade desse acordo, ou melhor, a legalidade do documento assinado entre a CUT e o ex-presidente Itamar. Isto porque as pessoas que foram contatadas não eram as habilitadas para assiná-lo, não tendo o tal compromisso validade formal. O então presidente da Petrobrás, Joel Rennó, único que poderia viabilizar o acordo entre o governo atual e a CUT, presenciou as etapas da negociação apenas como observador, tornando-se imparcial, para postar-se, depois, de maneira opositora as reivindicações dos petroleiros.
A questão juridica torna-se o fator essencial do problema. A greve, artifício utilizado e difundido pelos petroleiros, é encarada por estes como um direito legal conquistado. De fato, esse direito consta na atual Constituição, porém a lei que regulamenta o direito de greve encontra-se atrelada a uma Lei Complementar, ainda não votada. Por isso, depreende-se a situação de inconstitucionalidade de uma greve no setor publico.
Deve-se considerar, ainda, a verdadeira face dos petroleiros, organizados sindicalmente e intimamente relacionados à CUT.
Na verdade, entende-se o acontecimento grevista como um embate entre o governo, representado pelo presidente, e a CUT, representante do movimento sindical. Há, portanto, um choque político de interesses, onde as partes envolvidas se atêm as suas posições. De um lado o governo, mantendo-se firme e severo a não-cessão dos benefícios aos petroleiros grevistas e, de outro lado, a CUT, posicionando-se como oponente as reformas propostas pelo governo FHC, embora mantenha firme a fachada de reivindicação salarial como objetivo principal. Além do mais, os petroleiros grevistas temiam perder também a situação de benefícios, usufruída até aquele momento.
O governo, que objetivava uma mudança na sociedade, com a abertura de mercado, quebra de monopólios, privatizações, sustentação da política de estabilização, precisava de apoio maciço as suas idéias, encontrado na opinião pública e setor empresarial, que viam no Plano Real a possibilidade de prosperidade. O único oponente era a CUT, vinculada ao PT. Dessa forma, o meio que a governo achou para driblar a oposição foi derrotar as grevistas e, consequentemente, enfraquecer a CUT.
Após iniciada a greve, o movimento tomou vulto e paralisou a maioria das refinarias do país. Por isso, o governo recorreu às importações como sua MAANA, podendo, de certa forma, contornar a situação.
O choque de interesses acaba por diluir a questão ética da negociação, a qual tem um enfoque utilitário para os petroleiros, visto que seus comportamentos de não aderirem à greve produzirá major benefício à maior número de pessoas, isto é, a população não ficaria prejudicada com a falta de abastecimento de derivados de petróleo, como o gás de cozinha.
Por outro lado, o governo ignorou o enfoque moral da ética, sabre a qual nenhum indivíduo deve ser sobrepujado por decisões individuais, desconsiderando os direitos de liberdade de cada um.
E foi no momento da votação da legalidade da greve e do acordo assinado anteriormente pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) a ponta crucial da negociação. Era uma terceira parte ingressando nas negociações, na tentativa de induzir um melhor acordo entre as partes, privilegiando, contudo, os interesses do governo, já que a greve foi considerada abusiva e a acordo, ilegal. Portanto, os petroleiros deveriam voltar às suas atividades normais.
A partir de então, o governo, respaldado pelo poder legal, impôs como condição necessária para retornada das negociações o retorna dos grevistas aos seus pastos. 0 governo assume posição de superioridade em relação aos grevistas.
Contudo, os grevistas mantiveram-se firmes em suas posições e passaram a desafiar, com esta atitude, o estado de direito, que é essencial a manutenção de uma democracia. Diante disso, a governo passou a elaborar uma lista de demissões, onde líderes sindicais eram o principal alvo, na tentativa de intimidar os grevistas.
De maneira corajosa, as grevistas não se deixaram intimidar, como também elaboraram listas de demissões coletivas, invertendo, com isto, a disputa. Já o governo, declarou que aceitaria esta lista, continuando, assim, com sua superioridade inabalada.
Paralelamente, a governo procurou novas MAANAS, para enfrentar as conseqüências que um movimento prolongado acarretaria.
A greve continuava, os grevistas e a CUT passaram a uma posição decadente de relativa inferioridade, diante da esmagadora opinião pública contrária a teimosa atitude. O desabastecimento, principalmente de gás de cozinha, se tornava alarmante e favorecia a oposição aos grevistas.
O governo continuava a exigir retorno ao trabalho, para depois negociar, enquanto os grevistas queriam muito a negociação como saída honrosa para o seu movimento. O governo, mesmo dispondo de armas que garantiriam a produção, resolve convocar o exército, para garantir seguranca as pessoas que quisessem trabalhar nas refinarias.
Essa ação foi um golpe duro para o movimento. Os grevistas viram-se ameaçados de várias maneiras. Foram interpelados militarmente, receberam seus contracheques em branco, já que os dias paralisados foram descontados e, por fim, começaram a sentir de perto a ameaça de perder o emprego, devido a questões legais especificas (demissão por justa causa, caracterizada por abandono de emprego, que se configura caso o funcionário se ausente por mais de 30 dias de seu trabalho).
Nesse exemplo, quase todos os interesses envolvidos no processo de negociação entre governo e CUT são conflitantes. Uma das questões que podem exercer certa influência sobre a origem deste conflito, com forte aspecto político, é a ligação da CUT ao PT, oposição ao governo. Lula perdeu as eleições presidenciais contra Collor e FHC. Além disso, o PT tem enfrentado sérios problemas internos, devido à formação de facções com ideologias distintas. Tal situação acabou par enfraquecer a PT e, em conseqüência, a CUT. Por outro lado, o governo fortalece-se com o apoio popular a sua política de reforma econômica e constitucional. Qualquer cessão de apenas um dos lados para o outro fortalece a posição daquele que a recebeu.
Não há, pois, separação dos problemas e das pessoas envolvidas, mesmo porque não se conhecem ou nem se expõem claramente as verdadeiras necessidades buscadas na negociação. Há, também, a concentração nas posições e não nos interesses, dificultando a busca do ganha-ganha.
O conflito, nesse caso, não traz nenhuma vantagem para o crescimento e desenvolvimento das possibilidades de acordo. O conflito, aqui, sofre conotações negativas de pressão, embate, caracterizando um conflito terminal, onde as partes deturpam a capacidade do negociador de pensar com clareza sabre o conflito e compreende-lo, envolvendo ações baseadas no acaso, da parte de um ou ambos os lados. Gera-se, com isso, um acordo ganha-perde.
Os níveis de conflito são possíveis de identificação, conforme proposição de Hodgson (1996:212):
  • Nível 1 — discussão, baseada em posições entre governo e petroleiros/sindicalistas;
  • Nível 2 — debate sobre os verdadeiros interesses da negociação, buscando-se generalizações: governo não cede aos benefícios propostos aos petroleiros, e petroleiras opondo-se as reformas propostas pelo governo;
  • Nível 3 — as partes perdem a confiança na outra parte: governo abre país para o mercado externo, enquanto os petroleiros boicotam a distribuição do gás de cozinha;
  • Nível 4 — posições tornam-se mais rígidas: governo prepara demissões, e petroleiros elaboram outra lista, também para demissões;
  • Nível 5— como fica difícil sair da negociação, neste momento, o governo aceita a lista de demissão dos petroleiros;
  • Nível 6 — neste ponto a comunicação se restringe, e as ameaças de maior paralisação e demissão são ressaltadas;
  • Nível 7 — como as partes não priorizaram interesses, os comportamentos destrutivos começam a acontecer; demissões são efetivamente realizadas e os petroleiros tentam impedir fisicamente os funcionários que decidiram voltar ao trabalho;
  • Nível 8 — as partes estão prontas para atacar e serem atacadas, com mais demissões e violência;
  • Nível 9 — a pressão do acordo ganha-perde, o qual traduz a volta dos funcionários ao trabalho, após as demissões realizadas, com normalização da distribuição dos produtos e enfraquecimento das posições.
Dentre os interesses da CUT, pode-se citar a oposição as reformas constitucionais. Essa organização representa categorias ligadas ao funcionalismo público, com este setor caracterizando-se como privilegiado. O maior temor dessa classe é a perda de tais privilégios (estabilidade no emprego, aposentadoria e outros). Além deste objetivo, de fortalecer-se politicamente e evitar as reformas constitucionais, a CUT objetiva também uma melhoria salarial aos petroleiros.
O que ocorre é que esta greve deflagra-se fora de seu tempo ideal, pois ela poderia ter ocorrido desde o início do ano, já que a insatisfação provém daquela época.
Por parte do governo, o interesse principal vem a ser o de gerar um enfraquecimento nas bases da CUT, para que, com isso, possa continuar suas reformas, tais como desindexação salarial e quebra dos privilégios públicos. Outro aspecto importante é uma relação com o precedente. O governo necessita acabar com a greve, sem ceder em nenhum momento, para não gerar precedentes que possam incentivar novas greves em outros segmentos do setor púbico.
Com estas atitudes, e possível analisar o estilo de negociação do governo como sendo um estilo restritivo, o qual centraliza todas as decisões, forçando um acordo, agindo em interesse próprio, o que, de certa forma, encaminhou a um acordo ganha-perde (alguns funcionários foram demitidos, outros voltaram ao trabalho, e o acordo com o governo anterior foi considerado ilegal; o governo “ganhou a batalha”, enquanto os “petroleiros perderam”).
O estilo duro também tem algumas características presentes nas tentativas de solucionar o conflito, na medida em que se priorizou o poder exercido sobre a situação, com certa pressão para que o acordo pudesse ser firmado. Além disso, o estilo toma e controla sinaliza a maneira com que o governo conseguiu aproveitar todas as oportunidades emergentes durante a negociação para realizar um acordo, visto que pressionou os petroleiros a voltarem ao trabalho, aproveitou a opinião pública contrária a greve, realizou demissões e conseguiu controlar toda a situação, de forma a não comprometer as ações e decisões realizadas ate aquele momento.